quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Ninguém será ele

    Leia e ouça: I`ll never forget you

    Já faz uns 5 minutos. Cinco ou mais que eu encaro o espelho do banheiro sem desviar o olhar. E por trás de todo esse rímel, do delineado bem feito, e do batom novo que eu comprei semana passada, eu enxergo a minha cara-de-pau. Cara-de-pau de quem meteu os pés pelas mãos mais uma vez. Cara-de-pau de quem feriu sabendo, de quem tentou reparar um erro com outro e agora se esconde por trás de uma máscara - de cílios, e de si mesma.
    Há algum tempo ele se foi e deixou por aqui um vazio. Deixou a cama vazia, deixou umas caixas jogadas, uns livros perdidos, uns discos riscados. Largou tudo e me deixou. Num rompante de segurança, depois de uma prisão que eu mesma me impus. Depois de uma bebedeira daquelas que já previam a ressaca do dia seguinte, eu acabei conhecendo você.
    Você que entre uma dose e outra me fez rir como eu não ria desde quando eu tinha me obrigado a ficar em casa esperando ele voltar. Você que mesmo me conhecendo há menos de um mês me contava dos seus planos e dos seus sonhos. Você que enchia minha bola com vários elogios bonitos -outros mais safados- que toda garota desejaria ouvir. Você que quis entrar na minha vida mesmo com os muros que construí em volta, e tentou se acostumar com essa bagunça que ele deixou. 
    Mas eu, como sempre, coloquei tudo a perder. E eu nem posso dizer que a culpa foi sua, porque eu sei que ela foi minha. Só minha. 
  Você lembra daquele domingo quando fomos a praia num "bate- volta" porque eu queria ver o mar? Quando eu chorei não foi de alívio, foi de saudades. Foi ele quem me levou pra conhecer o mar. Saudades dele. Me desculpe por isso. Me desculpe por ter comprado açaí e colocado granola, eu não sabia que você era alérgico, mas é que ele adorava. Me desculpe por não prestar tanta atenção em você como você merecia, minha atenção ainda está voltada pra saber se ele está bem onde estiver. Me desculpe por ser tão fria e tão amarga, é que tem dias que essa minha mania de esperá-lo virar a chave de casa me entristece tanto.
    Depois dele, todos os outros ficaram meio chatos, sabe? Porque nenhum deles gosta de ficção cientifica como ele amava, nenhum deles me leva a lugares novos até sem sair de casa, nenhum deles me entende como ele me entendia, nenhum deles conversa comigo sobre Drummond, sobre Bauman, ou sobre todas as inutilidades que eu também fui juntando  ao longo da vida. Nenhum deles me faz me sentir mulher segura e menina sapeca como ele é capaz, por mais que tentem. Nenhum deles me deixa dividir tudo o que eu dividia com ele – talvez porque eu não consiga dar essa chance a eles.Nenhum deles me dá vontade de ser eu mesma, nenhum deles me dá vontade de ser quem nós fomos um dia.
    Me preocupa saber que talvez eu tenha deixado a gente ir um pouco longe demais. Apesar de eu nunca ter te deixado deitar na cama, e a gente só ter feito amor - sexo bom, porque amor só fiz com ele - no sofá da sala ou dormido de conchinha no tapete - e até a conchinha que era o meu refúgio já não faz mais a minha cabeça. 
    Eu errei quando te deixei subir aqui em casa, porque tudo nesse apartamento ainda espera ele chegar. Eu errei quando tentei te encaixar e te moldar pra caber num lugar que não adianta, não é seu. E me desculpe por não ter sido sincera desde o começo. Eu fui fraca, egoísta, tanto quanto ele quando saiu porta a fora. Mas o problema é que eu acabei indo junto, sabe?

    Por isso não consigo parar de encarar o espelho, porque estou me procurando. Na esperança de que quando eu me achar também vou reencontrá-lo. Me desculpe por não ser quem você pensava e muito menos quem você merecia. Eu não tinha sequer o direito de te fazer sofrer assim. A verdade é que eu não sou quem você pensa, eu sou um corpo perdido que passeia só por São Paulo, e você precisa de corpo e alma leve que possa e queira te acompanhar pelo seu mundo. Me desculpe por ter te colocado nesse jogo de tentativa-erro que virou a minha vida.
    Eu não deveria ter te ligado no dia seguinte, não deveria ter aceito as flores - eu nem gosto de flores, e assumo que não parei de pensar que ele saberia disso sem nem perguntar- , muito menos ter aceito  essa sua entrega de corpo e de alma nessa relação sem pé nem cabeça. Desde que ele escolheu ir, eu perdi um pouco a cabeça, até quando eu tento esquecer, eu me lembro dele. Lembro dele enquanto sonho e enquanto vivo, me lembrarei dele por aquilo que eu chamo de sempre, lembro dele e não tem jeito tudo ainda é forte demais por aqui, o cheiro, a saudade e a certeza de que ninguém, nem você, será ele.

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