domingo, 30 de agosto de 2015

Eu sempre gostei de plurais.

   Leia e ouça: A noite

   Assumo. Doeu te ver passar como um estranho, acenando do outro lado da calçada, apressado, meio surpreso de me ver, talvez. Foi duro, engoli seco, fumei um cigarro e o gosto do vício me deu ainda mais saudades.
  Saudades. Palavra que insiste em ser plural quando a gente já se tornou singular. Eu era daquelas brutas, que negavam apego. E você com um discurso bêbado de vinho barato me fez rir tanto na mesa de um bar, subir pro quinto andar, me despir das roupas, me revestir de afeto e adormecer extasiada no seu abraço.
  Senti por um instante  tudo aquilo que os livros falavam. E hoje eu só sinto saudade. Eu que relutei pra encaixar minha mão na sua andando pela rua, hoje sinto uma saudade danada daquele calorzinho que passava dos seus dedos pros meus. Hoje, aquele aceno corriqueiro despertou também um leve desespero, uma ânsia antecipada de te ver como nos velhos – meio novos – tempos.
   A falta do seu ‘bom dia’, o hiato dos seus beijos ansiosos... Doeu muito mais do que deveria. As lembranças dos dias felizes, todas elas misturadas e apertadas no nó que subiu pra minha garganta quando eu tinha vontade de atravessar entre os carros e te dizer que a vida tá uma bagunça sem você.
   Tá tudo revirado por aqui, cada canto da casa sente a sua falta, a maçaneta ainda espera a camisa pendurada, a pia aguarda o prato sujo do misto quente da madrugada, o sofá, a cama, meu travesseiro, uma falta tamanha do seu cheiro.

   Não tem você preparando um café me olhando fumar na varanda depois da ‘melhor noite de nossas vidas’ de todos os dias. Hoje, quando eu te disse adeus, eu queria era dizer volta, volta que a saudade tá grande  e eu sou pequena demais pra lidar com ela. Ainda sou a sua pequena. Volta pra cuidar de mim, da casa, volta pra sermos nós... Eu sempre gostei de plurais.

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Este texto faz parte de uma postagem coletiva dos Escritores da Era do Compartilhamento com o tema "Saudade''. Abaixo, textos relacionados, dos outros participantes do projeto:

Saudade da infância tem cura, doutor? - Tatiane Argenta
A saudade é uma miragem - Sâmela Faria
Aprendi a conviver com a saudade, mas não aprendi a te esquecer - Jô Lima
Queria te guardar em mim - Leca Lichacovski
Saudade tem sua beleza - Joany Talon
De repente, te esperar terminou... - Juliane Rodrigues
A renda e as pedras - Taciana Gaideski
Tatuei na pele - Fernanda Probst
Devaneios de uma saudade de domingo - Cristina Souza
Traduzo a saudade em forma de você - Pâmela Marques
Tô com saudade dela - Fábio Chap
11 graus de frio e saudade - Tamyhe Engler
Saudade é aquilo que fica quando algo ou alguém vai embora - Valter Junior
Pôr do sol - Tayane Sanschrí
Layna Diaz
Entre estrelas e saudade - Fernando Suhet
De cama vazia - e coração também - Cíntia Gomes
Aquele "adeus" me pareceu "até logo" - Allison Christian
Sobre saudade - Mariah
Sobre tudo que a gente não foi -Sâmia Louise
A saudade dos outros - Denise Carvalho

3 comentários:

  1. Maravilhoso!
    Amei demais seu texto, moça!
    "Saudades. Palavra que insiste em ser plural quando a gente já se tornou singular." ~ Perfeição define
    Parabéns!

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  2. Lindo seu texto, ainda não conhecia sua escrita ou sou blog, conheci através da Jô Lima e adorei! Convido para qualquer hora conhecer meus escritos também. Parabéns pelo texto e pelo blog ♥

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