Leia e ouça: Esquecimento
Deságua, é como um rio que corre e leva com ele as memórias.
Enquanto ela se pergunta quanto tempo falta pra não fazer mais tanta falta. Antes
de você cruzar a porta, ela ainda tinha muita coisa pra dizer. E não disse.
Não disse o quanto seu sorriso aquecia seu coração.
Não disse o quanto esse seu olhar pra vida a fez desejar ir mais longe um dia.
Não disse o quanto era agradecida, nem disse o quão diferente você era de todos
os outros, mas no fim acabou completamente igual.
Acabou fechando a porta, enquanto ela com o braço
ainda estendido tentava entender o que tinha dado errado dessa vez. Ela poderia
te odiar. Ela poderia odiar você, por não conseguir ouvir mais as mesmas
músicas, as suas preferidas – mania idiota essa dela de dividir cada pedacinho
seu com as pessoas – ela também poderia odiar você por ter tornado um desafio
deitar naquela cama sozinha. Ela poderia, mas não consegue.
Não consegue porque ainda te ama. Te ama do jeito
dela. Aquele que você dizia que admirava, lembra? Ela ainda ama o jeito como
você ainda a encoraja, mesmo de longe e sem saber. Ela ainda ama o cheiro de
vida que as coisas tinham com você por perto. Ela ainda ama cada lembrança. Ela
ainda te quer por perto, moço.
Os dias têm passado, e ela ainda espera. Esse era seu
defeito desde sempre, não é mesmo? Esperar demais. Ela têm altas expectativas,
nas pessoas erradas. Mas você era o certo, no momento errado.
Você ainda lembra, quando no meio de uma conversa ela
ficava em silêncio te olhando nos olhos? E você, todo preocupado sempre perguntava
o que tinha dito? Ela dizia nada, você só fingia acreditar pra não começar uma
briga. Não era nada, de verdade. Era só o jeito dela de guardar segundos, e
eternizar aquilo que ela mesma já sabia que estava prestes a acabar.
Você, essa beleza inesperada. E tão desejada. Desejado
antes mesmo de você chegar, e desejado agora mesmo que você se foi. Escorrem nas
lágrimas uma saudade líquida, e todo aquele sonho que ela mantinha de fazer
durar.
Ela sabia, sempre soube, que vocês dois queriam vidas
diferentes. Que os caminhos até poderiam se entortar. Mas eles se cruzaram uma
vez, naquela noite fria de julho pra ela te mostrar que sempre vale a pena
tentar mais uma vez.
E quando você dobrou a esquina, era só isso que ela
ainda queria explicar. É que a vida tem sua obsolência programada, mas a gente
não precisa ter as respostas de todas as perguntas. A gente não precisa ter
medo de amar, ela não tinha, sabia e estava pronta pra te ensinar que a gente também não pode ter medo de se deixar amar.
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