terça-feira, 29 de julho de 2014

Me esqueço de mim, me lembro de ti

 Leia e ouça: Aonde quer que eu vá (acústico)
  Eu tenho Alzheimer, e quando eu não tô perdido na minha própria casa, ou me perguntando quem são todas essas pessoas que vem aqui todo domingo; quero dizer quando eu vivo o que os médicos chamam de “momentos lúcidos” - e eu prefiro chamar de “poucos minutos de uma vida de verdade” - eu me pergunto por que é que as pessoas não dizem o que realmente querem dizer, fazem o que querem fazer, vivem as vidas que ensaiam no chuveiro...
  Me lembrar de histórias do passado, e confundir toda a minha vida é com certeza terrível, do tipo de coisa que eu não desejaria nem pro meu pior inimigo. Mas alguns dias atrás, depois de uma bateria de exames, me sentei na cadeira azul do laboratório e gostei de viver uma vida perdido no tempo, lembrei do dia em que conheci o amor da minha vida.
É óbvio que na época eu não sabia disso, alguns anos atrás eu ainda não sabia, mas hoje eu sei que era ela.
  Desde do dia “D”, o dia que me deram o diagnóstico, eu a vejo todas as manhãs. Quando não nos meus sonhos, vejo-a  na rua, servindo café na lanchonete, em todos os cantos da casa, casa essa que ela nunca nem entrou. Sabe, a gente era o tipo de casal que tinha tudo pra dar errado. E ela sempre insistiu. Até quando a minha estupidez tomou uma daquelas bombas energéticas e colocou tudo a perder.
  Todos os dias eu me culpo um pouco mais. Me culpo por ter deixado um  orgulho idiota guiar minha vida, por não ter ido atrás dela quando brigávamos e principalmente por não ter insistido quando eu perguntava se estava tudo bem, e ela só respondia “tudo”. Me culpo por ter sido tão ingênuo tendo deixado ela ir, e por nunca ter ouvido meu coração como ela tanto pedia.
Graças as lembranças dos nossos dias bons, e daquele sorriso lindo eu tenho conseguido suportar os dias sombrios. Esse monstro que os médicos chamam de doença consome minha dignidade, e minha identidade também, mas me traz de volta o meu passado, e os dias em que eu fui feliz de verdade.
  Eu não faço ideia de quantos minutos lúcidos mais eu vou ter na vida, espero que tenha tempo suficiente para ao menos terminar essa carta. No fundo do meu coração tenho a esperança de que um dia ela leia, que se lembre dos nossos momentos bons, dos beijos doces e saiba que eu vou amá-la ainda que esse mal me consuma por inteiro, eu só lamento ter demorado tanto pra me dar conta disso. E se você não for ela, mas se deu ao trabalho de ler uma carta de um velho que tem de  lembrar a si mesmo quem é todos os dias pela manhã, por favor ouça meu conselho: Se você tem medo do amor, é um tolo. Se você tem medo de ouvir seu coração, então me escute bem, você é um idiota, ou uma idiota, que seja.
  A questão é que a felicidade não é algo que tem que durar só durante o seu banho, quando você finge que tem coragem pra fazer o que quer e constrói uma vida perfeita que dura alguns minutos debaixo d’água. Depois do banho, vista essa coragem e corra para aquela pessoa que te faz bem, sem medo. Vá atrás. Da mulher da sua vida, do futuro pai dos seus filhos, sei lá, não importa quem seja. Se faz seu coração bater mais forte, se apresse, antes que seja tarde demais e tudo que você tenha pra si sejam as lembranças de uma vida feliz que acabou antes do fim, ou pior, antes de começar.

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