quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Ana e o passarinho

  Leia e ouça: Blackbird

  Esta noite, quando deitei a cabeça no travesseiro, e repassei todo o meu dia, depois de imaginar um milhão de coisas e quase sem querer traçar planos que eu mesma sei que se perderão quando eu fechar os olhos, no mesmo escuro do quarto que me abriga; esta noite quando eu quase me entregava à um sono sem sonhos, me lembrei de uma história que ouvi quando criança... Ana e o passarinho.
  Pra ser sincera, não lembro bem quem me contou, e todo o esforço para dar os devidos créditos será em vão - quando minha memória invoca de não lembrar, não há santo da boa lembrança que faça o contrário - mas lembro bem que quando ouvi a história de Ana, não consegui entender muito bem. Hoje, no entanto, vejo que foi uma das mais belas lições que aprendi.
  A história de Ana é uma história triste, uma história de despedida sem adeus. É também uma história de liberdade, de amor, e de confiança, mas é antes de qualquer outra coisa uma história real.
  A pequena Ana era uma criança - na minha imaginação de pirralha, era bem parecida com alguma das Chiquititas - uma menininha solitária que em seu aniversário ganhou do avô um passarinho de estimação, um canário, de penagem amarelo-bebê no peito. Ana sempre foi uma criança tímida, tinha algumas dificuldades de relacionamento com as outras crianças de sua idade, e até com seus pais.
  Nos primeiros dias convivendo com o novo habitante da casa, Ana agiu de maneira quase que indiferente. Seguia sua rotina de tarefas e brincadeiras sem se importar muito com o animal.Mas aos poucos, e para a surpresa de seus familiares, Ana foi desenvolvendo uma relação afetuosa com o canarinho. Fazia questão de alimentá-lo, passava as tardes sentada ao lado da gaiola, contando de sua rotina e de seus sonhos, trazia-o a mão vez ou outra, como se para lhe aconchegar. E apesar da insistência de seu avô para que lhe podasse as asinhas, Ana nunca o fez, por não aceitar o fato de machucá-lo. " É preferível que fuja, vôzinho", dizia.
  Ana conquistou a amizade do passarinho, o passarinho tão pequeno e talvez até despretensioso, conquistou o coração de Ana. Ana fez seu primeiro amigo. O passarinho ganhou de presente além de alguém para alimentá-lo e cuidá-lo, uma admiradora. E logo a melhor delas, a de alma mais pura, uma criança.
 Cerca de um ano depois da chegada do passarinho, quando todos já observavam a felicidade estampada no rosto de Ana, que agora era mais confiante e verdadeiramente criança. Algo muito marcante, e de certa forma terrível aconteceu. Numa tarde, quando chegava da escola e como todos os outros dias corria para a gaiola para ver o amigo, Ana chegou saltitante e logo murchou, assustada...Seu canarinho havia fugido, voado, de alguma forma destrancou a gaiola e se foi.
  Ana chorou semanas seguidas, não suportava olhar para o canto do quintal onde antes ficava a gaiolinha, ficou desolada. E o coração dos pais se cortou em pedacinhos por vê-la naquele estado. Chegaram a cogitar comprar outro passarinho, um cachorro talvez para acalmar o coração da menina, mas sabiam que para Ana seu canarinho seria insubstituível para sempre.
  Porque eu me lembrei desta história nesta noite? Não me perguntem pois não sei dizer... Mas agora, depois de tantos anos, eu finalmente a entendo. Todos somos Ana, e todos somos seu amado canarinho, também. Nós conhecemos pessoas, animais, lugares, ou qualquer coisa que seja. Nós nos apegamos a estas pessoas, a estes animais, a estes lugares. Nós nos doamos a eles. Tornam-se parte de nossa história, tornam-se especiais, e cada um acaba tornando-se insubstituível também.
  Mas é preciso ter a sabedoria de Ana, e também por amor nunca privá-los da liberdade. Nunca cortar suas asas. Sempre alimentar seus sonhos. Sempre cuidar como se esta fosse a última vez que fossem se ver. Ouvir seu canto, seus medos e acalantos com cuidado e atenção... Algumas vezes eles se vão, para sempre ou por um instante. E se voltarem será uma honra tê-los por perto novamente, mas para voltar tem de primeiro ir. Deixe-o ir, sem medo, se voltar, é seu.
  

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